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domingo, 22 de maio de 2011

REFORMA DO CÓDIGO FLORESTAL: AVANÇOS OU RETROCESSOS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS?

Artigo de autoria de Magda Cristina Villanueva Franco

Advogada e consultora em direito socioambiental e mestranda em gestão de políticas públicas pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. E-mail: magda@ambientallegal.com.br
Em dezembro do ano passado foi editado o Decreto nº: 7.029/2009 que instituiu o programa federal de regularização de imóveis rurais denominado “Programa Mais Ambiente”. Este programa tinha como meta a regularização ambiental de imóveis rurais, em especial no que tange ás questões relacionadas à recuperação de áreas de preservação permanente - APP e reserva legal - RL.
Este Decreto foi criado com o objetivo de prorrogar mais uma vez o prazo que os proprietários rurais tinham para fazer a recomposição de suas reservas legais, e a respectiva averbação á margem da matricula do imóvel, previsto no Código Florestal de 1965, e que por 3 vezes foi alterado mediante Decreto, certamente com a intenção de se aguardar as reformas da lei florestal propostas através de 44 projetos de leis encaminhados desde 1997 até 2010, cujos processos encontram-se em tramite no Congresso Nacional.
Em termos gerais as propostas versam sobre os seguintes temas: áreas de preservação permanente em torno de represas hidrelétricas, proteção da vegetação primária na região norte e norte da região centro – oeste, exploração de áreas de preservação permanente e reserva legal, proibição de atividades agropecuárias no entorno de 500 m de reservatório de água para abastecimento público e geração de energia, competência para a legislação municipal para disciplinar a preservação do meio ambiente municipal, pesquisa e coleta de amostras da flora brasileira, reposição florestal com 50% de espécies nativas, recomposição de áreas de preservação permanente – APP e reserva legal – RL com plantio de palmáceas, critérios de compensação da reserva legal em outra bacia hidrográfica, áreas de preservação permanente em torno de reservatórios artificiais, percentuais de restrição de exploração de propriedades rurais situadas em florestas e cerrados da Amazônia Legal, redução para 50% o percentual de reserva legal na Amazônia e fixação de critérios para recomposição e compensação, regularização de clubes de lazer e recreação entre outros implantados em desacordo com o Código Florestal de 1965, autorização do computo das APPs no percentual da Reserva Legal, instituição do título de Cota de Reserva Ambiental – CRA, estabelecimento de aumento da largura de APP ao longo de cursos’ água em torno de nascentes, alteração de parâmetros de APPs ocupadas por rancheiros, chacareiros, clubes de lazer e congêneres, alteração de critérios para recomposição da reserva legal, ampliação das sanções por crimes contra a flora, obrigatoriedade de recomposição das APPs desprovidas total ou parcialmente de vegetação nativa em propriedades e posses rurais, definição de pequena propriedade rural e posse rural para estabelecer a preservação de APP e desobrigação  da averbação de RL, compensação de produtores rurais por serviços ambientais prestados, concessão de anistia por 10 anos de multas aos autores de crimes ambientais, instituição do condomínio ambiental de áreas ambientalmente protegidas e autorização para regular utilização de faixas de terras próximos a córregos e lagoas, entre outras.
Essas propostas foram reunidas e transformadas no substitutivo ao Projeto de Lei nº 1.876/1999 em junho de 2010 sob a relatoria do Deputado Aldo Rebelo, cuja proposta é a instituição de um novo Código Florestal, revogando inteiramente a Lei 4771/ 1965.
Desde então, as discussões se intensificaram entre os vários segmentos da sociedade civil, em especial entre ruralistas e ambientalistas, acerca da eminente flexibilização das normas ambientais propostas no projeto. Para ambientalistas a proposta substitutiva do Deputado, em termos gerais esta sendo considerada um retrocesso para a política ambiental brasileira, já para a classe ruralista a proposta representa a esperança de uma solução para o sentimento de constante insegurança jurídica que essa classe vivencia.
Analisando a proposta do Deputado Aldo Rebelo, ressalta-se que em termos formais o atual Código Florestal de 1964 possui 50 artigos, apresentados através de um texto único, sem a subdivisão em capítulos ou seções. Já a projeto de reforma traz 53 artigos subdivididos em capítulos e seções, o que metodologicamente pode-se considerá-la mais didática em relação ao atual Código, entretanto o seu conteúdo apresenta uma redação truncada e muitas vezes confusa, o que certamente propicia a existência das chamadas “pegadinhas” que a bancada do PV vem constantemente ressaltando em seus pronunciamentos.
Em meio a discussões acaloradas entre parlamentares da base aliada e oposição, discursos apaixonados ou politiqueiros, manobras políticas e negociações é que está se discutindo a reforma do Código Florestal Brasileiro, que é uma das leis mais importantes, que abarca uma política pública que implica em grandes e significativos impactos socioambientais ao país.
Diante deste cenário, o que mais me tem chamado a atenção é o quanto a nossa sociedade é despreparada para a discussão de tamanha importância, pois como diz a expressão popular “brasileiro sempre deixa tudo para a última hora”, é isso que está acontecendo com a reforma do Código Florestal. Afinal, estamos de certa forma nos preparando para essa reforma a aproximadamente 12 anos, desde que as primeiras propostas de mudanças foram apresentadas. E a um ano exato da proposta substitutiva do Dep. Aldo Rebelo, e pelo que nos consta até o momento se desconhece a existência de um estudo especifico sobre a matéria em todas as suas amplitudes, ambiental, social e econômica, requerido pelo Governo  ou mesmo pelos parlamentares para o embasamento da proposta de mudança, uma vez que é inquestionável a necessidade de estudos científicos para alavancar uma mudança e que ha muito ja deveria ter sido feito, e mais ainda, de uma participação maciça da sociedade brasileira, a fim de construir uma proposta que represente minimamente os interesses do povo brasileiro.
De fato o Dep. Aldo Rebelo buscou legitimar sua proposta através de um parecer fundamentado em algumas audiências públicas realizadas com alguns setores envolvidos, sem grande amplitude como deveria ser feito diante de imensidão deste país e da importância do tema, que mais uma vez ressaltamos, deveria ser discutido sob pontos levantados cientificamente e não em “achismos” e com forte envolvimento da sociedade, e não restringir-se a poucos participantes com interesses diretos na questão. Portanto, trata-se de uma sucessão de falhas de governança.
Sob esse aspecto, o Projeto de Lei, pela falta de estudos técnicos específicos e do envolvimento efetivo da sociedade por si só já fragiliza consideravelmente a proposta de reforma de uma lei que envolve o futuro de um país.
Adentrando-se ao texto preliminar do PL apresentado, destaca-se que este está subdividido em 12 capítulos dentre os quais se destaca as disposições gerais da lei que apresenta um rol contendo definições legais para diversos termos utilizados na proposta, dentre os quais podemos destacar a definição de Amazônia Legal, área consolidada e área urbana consolidada. Área consolidada definiu-se como sendo ocupação antrópica em área rural ocorrida até a data de 22 de julho de 2008, já área urbana consolidada definiu-se como sendo uma área estabelecida pelo zoneamento urbano contido no plano diretor ou lei do perímetro urbano, e que possua malha viária implantada, e ainda o mínimo de três dos seguintes elementos de infraestrutura urbana a saber: drenagem de águas pluviais urbanas, esgotamento sanitário, abastecimento de águas potável, distribuição de energia elétrica ou limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.
Para a área urbana, a definição esta de acordo com a razoabilidade pois está de acordo com as práticas administrativas de alguns órgãos ambientais do país que tem se pautado neste sentido e de acordo com cada caso, para fins solucionar os inúmeros conflitos estabelecidos pelas ocupações ao longo do tempo nas cidades. Entretanto, tais casos deveriam ser enumerados ou analisados por equipe especializada, porém, não caberia a lei federal adentrar a estas questões específicas, e sim regulamentar de forma geral, logo tal questão precisa ser amadurecida e melhor discutida. Já na área rural, evidencia-se um esforço no sentido de legalizar atividades rurais hoje instaladas em áreas de preservação permanente. Vale destacar também os conceitos de interesse público e utilidade pública que visa regular as possibilidades de intervenção em APP, que atualmente está sendo feita através da Resolução CONAMA 369/2006.
Já o assunto da maior importância sob o ponto de vista socioambiental, são as áreas de preservação permanente – APP. A proposta traz um capitulo especifico e subdivide em 3 seções, que versam sobre a delimitação, o regime de proteção e o regime especial para áreas de preservação permanente em áreas urbana consolidada.
Quanto a este tema, embora bastante polêmico e que merece ser reformado em alguns aspectos, especialmente no que se refere as áreas urbanas e para dirimir conflitos para a agricultura familiar, a proposta apresentada diminui consideravelmente a área de proteção no entorno dos corpos d’ água  e ainda deixa de proteger topo de morros, montanhas, serras, altitudes superiores a 1800m, nas restingas fixadoras de dunas e estabilizadoras de mangues, o que é uma temeridade do ponto de vista biológico e geológico, para esta constatação nem é preciso ser um especialista na área.
Nos demais capítulos podemos elencar, em síntese, outras questões problemáticas na proposta que são a anistia das multas aos proprietários rurais que não realizaram a recomposição de suas reservas legais, embora esta seja uma obrigação desde 1965, a diminuição da porcentagem de reserva legal na Amazônia Legal, que é o bioma mais frágil, e que sofre com os constantes desmatamentos, e  que a meu ver, o aumento ou a diminuição da porcentagem da reserva legal não solucionará a questão do desmatamento, pois a expansão da fronteira agrícola continua, mesmo sob a égide do atual Código Florestal, de modo que, um programa bem estruturado baseado em um zoneamento ecológico econômico que propiciasse o uso sustentável da floresta me parece ser uma alternativa mais viável, para que a expansão da atividade agrícola deixe de ser interessante.
Outra questão, refere-se a obrigatoriedade da manutenção da reserva legal estar atrelada aos módulos rurais, que é o tamanho da propriedade diferenciado para cada região, que do ponto de vista da equidade regional seria interessante, mas de outro lado poderia abrir brechas para o descumprimento da legislação, como por exemplo a fragmentação das grande propriedades.
Diante de tais questões, pela falta de um estudo específico e uma ampla discussão com a sociedade, seja com produtores rurais, agricultores familiares, cientistas, ambientalistas, populações urbanas, governos locais, entre outros, entendo que a proposta de reforma do Código Florestal nos termos que está sendo proposta é demasiadamente frágil em todos os aspectos e não representa apenas um retrocesso para a política pública ambiental brasileira, mas demonstra a lamentável realidade de que nossas políticas publicas estão sendo construídas sem um planejamento e geralmente sob as pressões do interesse econômico e politiqueiro, com a conivência do governo e a inércia do povo que se vê impotente diante do seu despreparo para o efetivo exercício da cidadania

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